domingo, 2 de outubro de 2011

Falando com os Mortos

Título: Falando com os Mortos
As Irmãs Americanas e o Surgimento do Espiritismo
Talking to the Dead - Kate and Maggie Fox and the Rise of Spiritualism (2004)

Autora: Barbara Weisberg

Editora: Agir

Categoria: estudo

Edição: primeira (2011)

Proposta:
Contar de forma aprofundada a história das irmãs Fox.

Formato:
Livro grande com quase 400 páginas que podem ser lidas em aproximadamente 12 horas. É dividido em 5 partes num total de 19 capítulos. Cada parte representa uma determinada época envolvendo a história das irmãs e do espiritualismo. Contém ainda prefácio, posfácio, introdução, agradecimentos, uma extensa bibliografia, e várias notas de rodapé.

Linguagem:
Linguagem leve e agradável. Boa argumentação e boa descrição dos fatos. Embora sem conhecer o texto original observa-se que a tradução foi excelente dada a qualidade no uso da língua portuguesa. O único senão ficou por conta do título escolhido para a versão brasileira... ao invés de espiritualismo escreveram espiritismo.

Avaliação:
Esta obra é fruto de um intenso trabalho de pesquisa que se observa nas várias referências bibliográficas. E muitas delas são fontes primárias. Observa-se também que a autora se valeu de entrevistas com os mais diferentes interessados na história das irmãs Fox. A grande maioria das anotações ao longo do texto são acompanhadas de notas de rodapé indicando explicações e as fontes de informação.

Mesmo com todo esse rigor na apresentação de seu trabalho a autora consegue passar a história das irmãs de uma forma leve, inteligente, e envolvente. A linguagem empregada é simples e contribui muito para essa leveza. Os detalhes peculiares envolvendo as irmãs parecem num primeiro momento pouco relevantes, mas com o desenrolar da história se encaixam perfeitamente nas grandes questões abordadas. É o caso, por exemplo, dos detalhes sensuais que envolviam as sessões.

Este trabalho vai muito além da apresentação burocrática de fatos. Ele aborda os mais variados aspectos; explora o contexto social da época e relaciona-o aos fatos históricos; desenvolve o perfil psicológico das irmãs e, em menor medida, da sociedade; discute ainda a importância da questão espiritual. Enfim, é um trabalho completo e harmonioso.

Discussão:
Seguem abaixo algumas passagens:

Página 73 do capítulo Alguns antecedentes familiares:
Kate e Maggie já tinham sido expostas a um pot-pourri de idéias estranhas e emocionantes. Sobre os joelhos da mãe, tinham tremido de medo com relatos de vidência; tinham testemunhado a intensidade da fé metodista do pai e suas orações diárias; e, quando moraram em Rochester, todos os jornais, salões e esquinas transbordavam com histórias sobre mesmerismo e frenologia, abolição e sufrágio.
Breve resumo do contexto social das irmãs quando ainda crianças.

Página 125 do capítulo Três dias da mais rigorosa investigação:
Pelo bem dos espíritos, no dia seguinte, Maggie e Leah deixaram-se ser tocadas, atadas, manipuladas e manuseadas como antes, mas também sofreram uma nova indignidade. Com o consentimento relutante das irmãs, um comitê subsidiário de mulheres levou-as a um cômodo à parte, tirou suas roupas e fez buscas, examinando "seus corpos e roupas" à cata de instrumentos que fizessem ruídos, como bolinhas de chumbo. Mortificadas, as irmãs choraram durante boa parte de suas provações, até seus soluços alcançarem um volume tão alto que Amy Post irrompeu quarto adentro e colocou um fim à investigação.
Procedimento traumático esse, não!?

Página 139 do capítulo "O telégrafo de Deus superou completamente o de Morse":
Em fevereiro de 1850, Eliab Capron, em colaboração com um amigo de Auburn, Henry D. Barron, publicou um panfleto que apresentava o surpreendente argumento de que a comunicação com os espíritos devia ser vista não como um fenômeno sobrenatural, mas como um fenômeno natural, produzido por causas naturais.
Sete anos mais tarde Kardec usaria o mesmo argumento.

Página 167 do capítulo Os espíritos batedores estão mesmo na cidade:
O charme das jovens tinha um efeito paradoxal. Por um lado, atraía um número escandaloso de cavalheiros à sua porta. Por outro, a simples presença das irmãs exercia sua própria influência mesmérica, desarmando muitos dos seus críticos mais desconfiados e dando a elas espaço para desenvolverem suas atividades. Porém, o encanto que possuíam silenciava apenas alguns críticos. Outros permaneciam determinados a expor as irmãs como trapaceiras, sujeitando-as a testes que podem ter valorizado a reputação dos espíritos, mas que, certamente, prejudicaram as de Kate, Maggie e Leah.
A beleza tem seu preço!

Página 185 do capítulo A imputação de impostura:
Depois de tudo isso, os médicos reafirmaram sua convicção: Maggie fazia as batidas; praticamente nenhum som foi ouvido quando seus joelhos foram segurados ou imobilizados de alguma outra forma. Na rara ocasião em que ela conseguiu produzir uma batida fraca, dr. Lee (que definia seu papel como o de "segurador") garantiu que era possível sentir o osso se mexer.
A dúvida, nestes casos, sempre persiste.

Página 189 do capítulo A imputação de impostura:
À época, explicou Culver, ela tinha resolvido descobrir a verdade por trás dos espíritos. Então, esperou até que Maggie estivesse fora e abordou a efusiva Kate com uma proposta: uma prima dela queria participar de uma sessão. Como ela poderia ajudar no sentido de garantir o sucesso do encontro? Kate, segundo Culver, havia mordido a isca e se proposto a ensinar como ser uma médium.
"Ela disse que, quando minha prima consultasse o espírito, eu deveria sentar ao seu lado e tocar seu braço a cada letra certa. Foi o que fiz, e Kate pôde responder a quase todas as perguntas corretamente. Depois de eu ajudá-la dessa forma algumas vezes, ela me revelou o segredo. As batidas são produzidas pelos dedos dos pés. Todos os dedos eram usados. [...] Catharine me disse para esquentar os pés ou colocá-los em água morna, e assim ficaria mais fácil produzir as batidas; ela me disse que às vezes tinha de esquentar os pés três ou quatro vezes ao longo de uma noite. Achei que esquentar os pés tinha me ajudado, de fato, a fazer o som com muito mais facilidade."
Danadinha essa Kate, hein!?

Página 210 do capítulo O espiritualismo moderno:
O outro mundo despontava como democrático também. Todos os espíritos tinham a capacidade de progredir em virtude. Todos poderiam se comunicar com amigos e parentes deixados para trás e partilhar com eles sua sabedoria espiritual recém-descoberta. Como o Inferno fora praticamente banido, havia pouco a temer na vida após a morte. O outro mundo era um grande equalizador.
Muito sedutor tudo isso!

Página 270 do capítulo "Tantos altos e baixos neste mundo torpe":
Depois de testemunhar esferas luminosas flutuando pela sala, alguns membros do grupo suspeitaram de que Leah tivesse revestido as mãos com grânulos de fósforo. Ela reagiu protestando que, para sua surpresa, os próprios espíritos tinham produzido os grânulos. Nem todos ficaram convencidos com sua explicação, mas Daniel Underhill, sim.
Ah, tá!

Página 284 do capítulo "Um meio de refletir os outros":
Ela agora traduzia mensagens de várias maneiras: soletrando as palavras oralmente, enquanto os invisíveis batiam; por meio de escrita automática, transcrevendo mensagens com a mão esquerda em letra invertida; às vezes comunicando duas mensagens ao mesmo tempo, escrevinhando uma com letras grandes e arredondadas e informando a outra oralmente. Em suas sessões com Livermore, ela também usou fichas em branco, sobre as quais a escrita dos espíritos parecia se materializar de forma espontânea.
Verdadeiros fenômenos, não!?

Página 288 e 289 do capítulo "Um meio de refletir os outros":
Porém, com a mesma freqüência, as aparições davam a impressão de ser tão tangíveis quanto qualquer ser mortal. Estelle passou a usar "um perfeito laço de fita de seda branca amarrado diagonalmente sobre o peito". Na segunda vez em que utilizou esse acessório extravagante, Livermore o segurou entre os dedos e achou que era tão real quanto seda. Enquanto sua mão deslizava sobre o tecido, ele ouviu "um som murmurante, baixo [...], algo como o zumbido de uma abelha.
"Ouvi com atenção e percebi que ele vinha dos lábios do espírito. Era uma tentativa infrutífera de falar [...]." Ou, talvez, os doces murmúrios que ele ouviu fossem os de um espírito excitado, reagindo à sua carícia.
Essa autora enxerga longe!

Página 293 e 294 do capítulo "Um meio de refletir os outros":
Como os encontros entre Charles Livermore e Kate demonstram, porém, nem toda sessão durante esses anos esteve diretamente ligada à guerra, nem mesmo na Casa Branca de Abraham Lincoln. Quando Willie Lincoln, de dez anos, faleceu, ainda durante o mandato de seu pai, a mãe do menino, Mary Todd Lincoln, recorreu a vários médiuns em Washington para ajudá-la a estabelecer contato com seu filho. Embora ela tenha se tornado uma adepta devota, não há evidências de que seu marido, que participou de ao menos uma sessão na Casa Branca, tenha experimentado algo além de curiosidade compassiva para satisfazer a vontade da esposa.
Curioso isso... alguns dizem ser bem mais do que uma curiosidade.

Página 335 do capítulo Que os outros julguem por si mesmos:
A fraqueza das irmãs Fox pelo álcool e — segundo boatos — pelas drogas constrangera espiritualistas por muito tempo. Muitos adeptos conservadores e de classe média, preocupados com sua própria credibilidade, também passaram a ficar incomodados com outros aspectos do espiritualismo, inclusive com idéias radicais frequentemente associadas ao movimento e com manifestações extravagantes, como as materializações.
A pressão psicológica sobre as irmãs não deve ter sido nada fácil.

Página 340 do capítulo Que os outros julguem por si mesmos:
Para surpresa do repórter, Maggie demonstrou as batidas que ele ouviu debaixo da mesa, do lado de fora da porta e através do chão.
— Como a senhora faz isso? — perguntou ele com um toque de admiração.
Ela lhe disse que manteria sua explicação em segredo até a noite em que desse sua conferência. Porém, fez questão de dizer que era tudo um truque, devolvendo-lhe a pergunta com uma piscadela: "Espíritos, não é fácil de enganar?"
(...) "Ora, eu já explorei o desconhecido tanto quanto a vontade humana permite", esbravejou ela. "Fui até os mortos para tentar obter deles um pequeno consolo. Não consegui nada com isso, nada, nada." A animosidade de sua denúncia do espiritualismo não vinha somente da ira contra Leah e seus colegas espiritualistas, mas também de sua própria e profunda decepção com a incapacidade dos espíritos de fornecerem uma resposta.
Essa decepção merece uma reflexão.

Página 342 e 343 do capítulo O golpe mortal:
"De noite, quando íamos para a cama", disse, "costumávamos amarrar uma maçã a um barbante e puxávamos a ponta do barbante para cima e para baixo, fazendo com que ela batesse no chão. Ou, então, nós deixávamos a maçã cair no chão, fazendo um barulho estranho toda vez que ela quicava".
Deixar maçãs caírem no chão era muito provavelmente uma brincadeira para as meninas. Também era uma imagem rica em ironia, embora o duplo sentido de Maggie possa não ter sido proposital. A descoberta da gravidade, feita por Newton, foi um momento seminal na história da ciência e na concepção de um universo mecânico, um universo contrário à noção de intervenção sobrenatural. A descoberta da gravidade ocorreu, segundo a lenda, depois de Newton presenciar uma maçã... caindo.
Bota ironia nisso!

Página 345 e 346 do capítulo O golpe mortal:
Quando ela terminou a sua declaração, o dr. Richmond chamou vários médicos ao palco. Maggie tirou um sapato e colocou o pé, protegido apenas pela meia, sobre uma mesinha de pinho. Batidas agudas foram ouvidas pelo teatro. O repórter do New York Tribune escreveu que os sons foram se tornando mais altos, "deslocando-se pela parede e pelo telhado da Academia".
Enquanto as batidas continuavam, os médicos examinaram solenemente os pés de Maggie — procedimento a que a platéia respondeu com riso sugestivo e comentários grosseiros. Então, Maggie subiu na mesa para outro exame, depois do qual os médicos anunciaram que as batidas eram produzidas, em realidade, pelo dedão do pé.
Ninguém pareceu questionar se as batidas produzidas pelo dedão de Maggie eram complementadas por outros meios, se o próprio dr. Richmond poderia ter aliados no auditório dispostos a aumentar o tipo de sinfonia pela qual os espíritos haviam ficado famosos.
Os médicos de Buffalo e C. Chaucey Burr, nos anos 1850, tinham acertado sobre juntas e músculos, ligamentos e tendões, das pernas e dos pés humanos. Adequadamente manipulados, eles podem, de fato, ser barulhentos. Em um teatro com boa acústica, mesmo os membros da platéia sentados ao fundo da galeria podem ouvir os atores estalarem os dedos. Mas exatamente quanto barulho o corpo humano tem de produzir para evocar um coro de vozes espirituais?
Assim como elementos da confissão de Maggie podem ser questionados, é tentador se perguntar se ela ou o dr. Richmond teriam revelado todos os notáveis segredos dos barulhos misteriosos.
Mistério!!!

Página 366 do capítulo Nós, dos tempos modernos:
O caso de amor com a tecnologia, que ajudara na ascensão do espiritualismo, também pode ter tido um papel relevante no seu declínio. Embora Thomas Alva Edison tivesse ficado muito intrigado com o movimento, a ponto de desejar a criação de uma máquina que facilitasse a comunicação entre os mundos, a invenção da lâmpada elétrica começou a banir lenta, mas progressivamente, as sombras de muitas salas de sessão. De forma metafórica e literal, ficou mais fácil exilar muitos fantasmas apenas ao iluminar a causa da assombração.
Que metáfora!

13 comentários:

  1. Oi Vital:

    Parabéns novamente pela análise! Eu gostei imensamente desse livro quando o li. Não sei quanto a você, mas ao final da leitura senti-me muito solidário às Fox, à sua humanidade. Muito diferente do perfil 'santificado' com que se plastifica várias personalidades ligadas à história do espiritualismo e do espiritismo.

    Grande abraço!

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  2. Com certeza, Augusto!

    Não só nós como a própria autora se solidariza com as Fox, principalmente as duas irmãs mais novas. É uma história fantástica e muito humana que merece mesmo ser contada no cinema.

    Abraço!

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  3. Olá pessoal muito bom o blog, parabéns, já tou seguindo vcs, visitem meu blog e seja seguidor, e juntos trabalharmos pela divulgação da nossa doutrina.
    abraços!
    Roselane.

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  4. Legal, Roselane!

    Obrigado pelo elogio!

    Abraço!

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  5. Gostei muito e vou compra o Livro, pois gosto de estudar as FOX. Tenho procurado um livro americano publicado na época, mas sem sucesso, então esse vai ser servir de estudo!

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    1. Tais a falar do livro de Leah Fox (Underhill) sobre suas irmãs? Se sim, está disponível na net. Chama-se "The Missing Link in Modern Spiritualism" (1885)..

      Para o autor do texto, espetacular.. Adorei os trechos que você elencou. Já li o de E. E. Lewis e o de Emma Hardinge Britten sobre às irmãs Fox, mas ainda não li o de Weisberg e com esses retalhos, fiquei bastante interessada :)
      Obrigada por compartilhar seus conhecimentos.

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    2. Olá, amiga! Obrigado pelo comentário. Esta história das Fox é fascinante, não é mesmo? Dizem que o livro vai virar filme. Será demais!

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  6. Ciro Lima escreveu acima.

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  7. Que legal, Ciro!

    Fico contente por ter te estimulado a ler o livro. Você não vai se arrepender.

    Abraço!

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  8. Oi, Vital

    Podemos publicar sua análise em nossa revista?
    Aguardo sua resposta!
    Maria Carolina

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  9. Oi, Maria Carolina! Como vai?

    Pode publicar na sua revista, sim.

    Abraço!

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  10. Alguem sabe onde eu posso baixar esse livre na internet?

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