domingo, 29 de maio de 2011

O Homem que conversou com os Espíritos

Título: O Homem que conversou com os Espíritos

Autor: Geziel Andrade

Editora: EME

Categoria: estudo

Edição: primeira (dezembro 2010)

Proposta:
Resumo das obras de Kardec, em especial da Revista Espírita.

Formato:
Tamanho médio para ser lido em aproximadamente seis horas. É dividido em uma centena de capítulos de uma ou duas páginas e estes apresentam fatos em ordem cronológica. O projeto gráfico é de boa qualidade.

Linguagem:
Linguagem simples, clara, e objetiva. Texto muito bem redigido e revisado. O autor usa bastante o recurso de lista de pontos, apropriada para um resumo.

Avaliação:
Dada a extensão do trabalho de Kardec é bem razoável a proposta de se fazer um resumo geral. Para os que tem pouco conhecimento do assunto é uma forma de entrar em contato rapidamente com o pensamento kardeciano e para os mais experientes, uma oportunidade para rever as idéias e as interpretações da obra kardeciana.

O encadeamento dos capítulos é feito pela ordem cronológica dos fatos e dos textos publicados. Para o leitor isto é interessante porque traz uma boa visão de como o espiritismo foi construído. Por outro lado, na maioria dos casos não há encadeamento dos conteúdos dos capítulos. Isto torna a leitura um pouco truncada e de difícil assimilação.

Embora a lista de pontos seja um dos principais recursos na escrita de um resumo, o abuso delas pode deixar os textos cansativos. É o que acontece neste livro, especialmente para quem não teve contato com os textos integrais.

Percebe-se que o autor teve o cuidado em diversificar, na medida do possível, os temas dos capítulos. Mas ainda assim é possível encontrar alguns que aparecem por mais de uma vez como é o caso das lutas contra o espiritismo. E outros que não aparecem como a controvérsia com Jean Baptiste Roustaing.

O problema dos resumos é que muito provavelmente trazem consigo a visão de quem os fez. Ao selecionar os textos e os trechos dos textos o autor apresenta sua interpretação da obra kardeciana. Por exemplo, o autor seleciona alguns textos onde o discurso de Kardec favorece a idéia de que o espiritismo é uma religião. E não apresenta nenhum que não favorece ou que seja contrário. Mas estes textos existem e devem ser mesmo em maior número.

No capítulo 90, "O Espiritismo é uma Religião?", o autor transcreve um trecho de um discurso de Kardec publicado em dezembro de 1868. Veja:

    O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos e as aspirações.
    O efeito desse laço moral é o de estabelecer, entre os que ele une, como consequência da comunidade de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas.
    Se assim é, perguntarão, então: o Espiritismo é uma religião?
    Ora, sim, sem dúvida, senhores!
    No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da Natureza.

Agora veja como está publicado na edição da FEB:

    O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como conseqüência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.

    Se é assim, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores! No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.

    Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova dição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se levantou.

    Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.

Ou seja, o autor "esqueceu" de transcrever as partes destacadas em vermelho que levam a uma interpretação contrária a que ele pretendeu passar neste e em outros capítulos. Também quebrou o parágrafo da resposta que se inicia por "ora sim, sem dúvida, senhores" para tentar enfatizar a resposta favorável.

Vale destacar ainda que há pouca ou quase nenhuma análise crítica dos textos apresentados. É claro que isto está além da proposta do autor, mas o livro ficaria muito mais rico e interessante.

4 comentários:

  1. Em andamento, a desfiguração da DE, levando-a para o religiosismo (culto/latria). Quando Kardec se referia à "religião", queria dizer "laço", nõa, "latria/culto";
    Aí está o quid pro quo.
    O saudoso Krishnamurti de Carvalho Dias, em seu livro "O Laço e o Culto - É o Espiritismo religião ?", esclarecebem o assunto.
    Fraternalmente,
    C. L Barcellos
    29.05.2011
    Nisi clave deest
    **********************

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  2. Oi, Claudiomar!

    Obrigado pela visita, pelo comentário, e pela dica de leitura!

    Abraço!

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  3. Vital, boa análise. Esta questão de ser religião é interessante. Na Codificação e Revistas Espíritas, em Gabriel Dellane [a pessoa mais próxima a Kardec e que continuou suas pesquisas após a morte do codificador] também encontramos esta mesma observação: O ESPIRITISMO NÃO É UMA RELIGIÃO. É uma CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO. É só observar o capítulo "Conselhos aos Médiuns e Experimentadores", o último, se bem me recordo, da terceira parte do livro O Fenômeno Espírita. Leon Denis também é da mesma opinião, tanto que postula que o Espiritismo não é o a religião do futuro MAS o futuro das religiões. Pelo simples fato de conter o conhecimento necessário para orientar as religiões e por, justamente, NÃO SER MAIS UMA RELIGIÃO a disputar um espaço [poderia dizer quase um verdadeiro mercado de arrecadação de $$] superconcorrido como o é hoje.

    Parabéns pela análise.

    Anderson
    analisesespiritas.blogspot.com

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  4. Obrigado, Anderson!

    Muito bom poder contar com seus comentários!

    O autor do livro tem todo o direito de defender que o Espiritismo é religião, mas não pode esconder que o discurso de Kardec era bem outro.

    Abraço!

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